Quilombolas.

Como funcionam os Quilombolas por Sylvia Estrella.
Introdução

A palavra quilombo vem de "ochilombo", de um dialeto banto, até hoje falado por certos povos em Angola, de onde veio a maioria dos escravos brasileiros. Designava acampamento usado por populações nômades. No Brasil, deu nome aos núcleos de resistência à escravidão.

Os quilombolas, então, são os descendentes dos habitantes dos quilombos. Em sua maioria, formada por escravos negros que fugiram do cativeiro na época da escravidão no Brasil. Eles escapavam dos engenhos de cana-de-açúcar ou fazendas de café e se refugiavam nos quilombos, locais de resistência e proteção. Os antigos escravos formaram comunidades em torno destes núcleos e as comunidades hoje, mais de cem anos depois do fim da escravidão, recebem o nome de quilombolas, áreas de quilombolas ou territórios de quilombolas.

Há áreas de quilombolas espalhadas por todo o país, em 24 dos 27 estados da federação. Somam mais de mil comunidades, segundo a Comissão Pró-Indío. Mas, em algumas regiões, a concentração deles é maior. Na Bahia, os maiores agrupamentos de quilombolas estão concentrados no Recôncavo Baiano, nos municípios de Cachoeira, Maragogipe e Santo Amaro. No Pará, existe o maior número de terras demarcadas e tituladas de quilombolas, 34. O segundo estado com mais terras demarcadas é o Maranhão, com 20.

Muitos quilombolas têm línguas próprias, formadas da fusão entre os dialetos do escravos negros trazidos da África e o português. Como o cupópia, do Quilombo de Cafundó, em Salto de Pirapora, no interior de São Paulo. Este idioma foi registrado cientificamente, pela primeira vez, em 1978, quando contava 40 falantes. Atualmente são 12 falantes de cupópia, dos 80 habitantes de Cafundó.

História dos quilombos
De acordo com a antropóloga Daniela Carolina Perutti, da Universidade de São Paulo, “os quilombos eram organizações de resistência e luta contra uma sociedade escravocrata. Por isto, traziam em sua proposta uma organização social mais justa.”

Se atualmente existem mais de mil comunidades quilombolas, no tempo da escravidão (1500 a 1888), devem ter existido muito mais do que 2 mil quilombos, calcula Daniela. A Fundação dos Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura, para promover e valorizar a cultura afro-brasileira tem uma estimativa bem superior, de cerca de 3 mil áreas de remanescentes de quilombo no Brasil, das quais500 já são reconhecidas pelo governo. Existiam os quilombos em áreas rurais e também, aqueles em áreas urbanas, que ficavam nas periferias de grandes cidades da época, como Salvador, Pernambuco e Rio de Janeiro.


Os “mocambos", "quilombos", "comunidades negras rurais" e "terras de preto", os vários nomes dessas áreas de resistências, tiveram origens diversas. Uns foram criados em fazendas falidas. Outros pelas doações de terras para ex-escravos. Algumas terras foram compradas pelos escravos alforriados. Outros ganharam áreas como reconhecimento da prestação de serviços de escravos em guerras (Balaiada, Paraguai). Houve ainda algumas que eram terras de ordens religiosas deixadas a ex-escravos no início da segunda metade do século 18.

As histórias das cerca de mil comunidades quilombolas do país é conservada, em grande parte, pela comunicação oral. Por isso, a história dessas comunidades vai se perdendo com o tempo.

As festas populares, a culinária, a devoção a determinados santos e algumas lendas e mitos são mantidas. Mas a sua explicação e significado perdem-se na linha do tempo, quando os moradores mais velhos dos quilombolas morrem.

A maioria dos quilombolas não conhece realmente sua identidade afro-brasileira. Muitos não sabem que existem outras comunidades com as mesmas origens, vivendo situações semelhantes.
Palmares - símbolo de luta pela liberdade

Existiram os quilombos que surgiram como centros de resistência negra à escravidão. Dentre eles, o mais famoso foi Palmares, em Alagoas, que entrou para a História como o maior símbolo da luta negra pela liberdade.

Este é o quilombo mais famoso da história brasileira. Em 20 de novembro, comemora-se o dia da Consciência Negra. Esta data é a mesma em que Zumbi foi assassinado, em 1695, em uma emboscada armada por bandeirantes que queriam destruir o Quilombo dos Palmares. Zumbi virou mártir da luta pelo fim da escravidão.

As primeiras referências à Palmares foram registradas em 1580, na região da Serra da Barriga, onde hoje fica a divisa entre os estados de Alagoas e Pernambuco. No final do século 16, este quilombo ocupava uma grande área coberta de palmeiras entre o Cabo de Santo Agostinho e o Rio São Francisco. Escravos que fugiam de Pernambuco e da Bahia se refugiavam lá.

Alguns historiadores arriscam uma estimativa de que, em 1670, o Quilombo dos Palmares contava com uma população de 20 mil habitantes, distribuídos em quatro grandes núcleos ou mocambos chamados: Macaco, Subupira, Zumbi e Tabocas. O quilombo era próspero e representava uma ameaça aos fazendeiros, já que servia de inspiração para que seus escravos fugissem e se refugiassem lá.

O líder do Quilombo dos Palmares naquela época era Ganga Zumba, tio de Zumbi. Em 1678, o governador da Capitania de Pernambuco ofereceu um acordo de paz a Ganga Zumba, que era desfavorável à população dos Palmares. Ele aceitou o acordo e teve início uma rebelião, liderada por Zumbi.

Os quilombolas voltaram a Palmares e se restabeleceram lá, sob a liderança de Zumbi, que o governou por 15 anos. Foram necessárias 18 expedições do governo português para erradicar Palmares. Zumbi adotou uma estratégia de defesa baseada em táticas de guerrilha. Os portugueses contrataram os bandeirantes Domingos Jorge Velho e Bernardo Vieira de Melo para erradicar de vez a ameaça dos Palmares.

Foi uma guerra onde se usou táticas de inteligência. Os bandeirantes capturaram um quilombola que sabia o esconderijo de Zumbi e acabou delatando-o. Em 20 de novembro de 1695, os bandeirantes mataram Zumbi em uma emboscada. Mesmo sem outra liderança, Palmares sobreviveu até 1710, quando se desfez.

Quem são os quilombolas?
Até a abolição, em 1888, havia desembarcado no Brasil cerca de 6 milhões de negros escravos. Eles vieram, principalmente, da região onde hoje ficam Angola, Congo e do Golfo de Benin, na África. Nunca se soube quantos fugiram para os quilombos nem quantos são seus descendentes. De acordo com a Comissão Pró-Índio de São Paulo, há 79 territórios de comunidades quilombolas titulados e 449 em processo de regularização.

Existem questionamentos sobre como identificar áreas realmente quilombolas e os descendentes de quilombos. A Constituição brasileira de 1988 garantiu o direito à terra dos quilombolas, em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), no qual se diz que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.”

Com este texto, surgiu um intenso debate para definir e estabelecer qual o conceito de quilombola. Afinal, quem eram os quilombolas ? Era necessário estabelecer, porque a eles cabia o direito à propriedade das terras.

No texto constitucional, utiliza-se o termo “remanescente de quilombo”. Na tentativa de orientar e auxiliar a aplicação do artigo 68 do ADCT da Constituição, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) divulgou, em 1994, um documento elaborado pelo grupo de trabalho sobre comunidades negras rurais em que se define o termo “remanescente de quilombo”, como: “consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar.”

A antropóloga Daniela Carolina Perutti explica que “comunidades remanescentes de quilombo” são grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade.

Ela define identidade étnica como “um processo de auto-identificação bastante dinâmico, que não se reduz a elementos materiais ou traços biológicos distintivos, como cor da pele, por exemplo”.

Segundo Daniela, “a identidade étnica é a base para a forma de organização dos grupos sociais”. Esta identidade é a soma de múltiplos fatores, que podem ser uma ancestralidade comum, formas de organização política e elementos lingüísticos e religiosos compartilhados.


Novas pesquisas históricas da época do Brasil escravocrata (1500-1888) também ajudaram a definir melhor quem são os quilombolas. Estes estudos mostraram que as comunidades de quilombo se formaram por diversos processos, entre eles as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas. Mas, muitos outros como heranças, doações, recebimentos de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior de grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravista quanto após sua abolição.

A partir destas pesquisas foi possível definir que a maior característica do quilombo era uma resistência ao sistema escravocrata e a autonomia. “O quilombo era um lugar de transição da condição de escravo para a de camponês livre”, define Daniela Perutti. Portanto, ampliou-se a conceituação de quilombolas, o que facilitou os processos de demarcação de terras.

Atualmente, a legislação adota o conceito de que a condição de quilombola é formada pela auto-identificação. Então, cabe aos descendentes dos habitantes do quilombo se organizarem e pedirem o seu direito à terra.

Este direito foi estabelecido, em 1988, pela Constituição, mas só passou a vigorar, em novembro de 1995, quando o governo federal, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) concedeu o primeiro título de propriedade a uma comunidade quilombola.

Demarcação das áreas quilombolas
O Decreto 4.887, de 2003, define que uma comunidade de remanescentes de quilombos tem direito a regularizar suas terras. Apesar da legislação brasileira reconhecer aos quilombolas a propriedade de seus territórios tradicionais, muitos desses grupos ainda esperam pelo título de propriedade. Até setembro de 2007, em todo o Brasil, cerca de 150 comunidades quilombolas (distribuídas em 79 territórios) tinham suas terras tituladas. Existem mais de mil comunidades, ou seja, cerca de 11,4% têm o direito à terra.

É difícil estimar qual a população e a extensão de terras envolvidas nos processos em andamento já que muitos ainda não apresentam esta informação. Atualmente são cerca de 440 processos de regularização. Desses, apenas 190 processos contam com uma estimativa de população que soma 18.422 famílias. Número ainda menor de processos (140) contém uma estimativa de extensão de terras a serem tituladas que totaliza 927.125 hectares.


Segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo, “não há muito que comemorar já que estes processos geraram até o momento poucos resultados efetivos, ou seja, terras tituladas e livre de invasores”. No governo Lula, até agosto de 2006, apenas três terras quilombolas foram tituladas.

De 1995 a setembro de 2007, 79 terras foram tituladas beneficiando mais de 150 comunidades quilombolas ou cerca de 9.000 famílias. As áreas regularizadas somam 929.317,64 hectares. O governo federal foi responsável cerca da metade destas titulações. As demais foram procedidas por governos estaduais com destaque para o governo do Pará, responsável pela outorga de 27 títulos, dos 34 daquele estado.

A grande maioria dos títulos outorgados pelo governo federal ainda envolve sérias pendências. Ou foram apenas parcialmente regularizados ou registram ainda conflitos com relação a outros ocupantes. Este é o caso, por exemplo, das terras Paca/Aningal e Bela Aurora que foram tituladas em 2004 sem a retirada dos posseiros.

Das 24 unidades da federação em que se conhece a existência de comunidades quilombolas, 21 têm processos abertos pelo Incra. Ou seja, em quase todos os estados com a presença de quilombolas existem processos em andamento.

Pelo meio ambiente e pela cultura
Apesar de terem existido alguns quilombos em áreas urbanas, a maioria deles era rural. Os quilombolas são descendentes de escravos que se tornavam camponeses livres nos quilombos.

Por isso, o respeito à terra, à natureza e seus recursos está muito presente na vida dos quilombolas. A mata nativa das regiões quilombolas permanece praticamente intacta, a agricultura é de subsistência e a pesca, feita em canoas e redes produzidas à mão. Toda produção obedece rituais seculares. É raro existir nestas comunidades práticas que não sejam sustentáveis.

Assim, os quilombolas renovam sua tradição de locais de resistência. Nesta nova fase da História, resistência à degradação do meio ambiente e à destruição da natureza, ao preservar técnicas de cultivo e pesca que vêm de séculos.

As comunidades quilombolas de Ivaporunduva, Sapatu, André Lopes, São Pedro e Galvão, no Vale do Ribeira, Sul do estado de São Paulo tem uma população composta de descendentes de escravos que chegaram ao Ribeira no século 18 para garimpar ouro e vive da agricultura familiar, principalmente, do cultivo da banana.

Elas formam as Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, que fizeram uma parceria com o Instituto Ambiental Vidágua e o Instituto Ambiental (ISA) para, em conjunto, trabalharem na Campanha Cílios do Ribeira, pela recuperação das matas ciliares do Vale do Ribeira. A campanha se desenvolve por meio de iniciativas para recuperar as matas ciliares da região, que incluem desde o plantio de mudas, ao treinamento dos agricultores locais para conservação ambiental.
A Universidade de Campinas (Unicamp) desenvolve dois projetos nestas comunidades. Um deles, uma planta industrial para o processamento de banana. Os agricultores das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira consideram que a iniciativa agrega valor ao produto, disparado a maior fonte de renda da população local.

Calcula-se que estejam plantados, nos 2,7 mil hectares do quilombo de Ivaporunduva, cerca de 400 mil pés de banana. De acordo com a Unicamp, os moradores vendem em média 600 caixas de 20 quilos por semana. O lucro é rateado entre 80 famílias, em sistema de base cooperativista. Um caminhão com capacidade de carregar 8 toneladas adquirido pela comunidade faz a distribuição do produto na Ceasa, em São Paulo.

A produção é controlada. Mais de 30 agricultores já têm o certificado do Instituto Biodinâmico de Botucatu (IB), que atesta a origem orgânica da banana. O produto da planta industrial é usado, em sua maioria, para fazer doces e balas, alguns deles industrializados.

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